terça-feira, 3 de maio de 2011

Calma, Catroga, amanhã há mais

Eu estou longe de ser um simpatizante embasbacado do senhor Sócrates e da sua (des)governação, mas a curta declaração que o Primeiro-Ministro, juntamente com uma estátua mal-humorada que partilhava uma semelhança espantosa com o Ministro das Finanças, fez hoje à noite relativamente à conclusão das negociações com o FMI/BCE/CE é puro ouro político. Ao desmontar, uma por uma, as supostas medidas (os jornais davam a impressão que iríamos ter de sobreviver a água e pão) que iriam ter que ser adoptadas como contra-partida para o empréstimo que tivemos de pedinchar lá fora, como um jogador compulsivo que está à rasca para pagar o dinheiro que deve a um agiota, Sócrates espetou um valentes murros nas trombas entediadas do Passos Coelho e permitiu aos portugueses jantar descansados (provavelmente a assistir ao Barcelona-Real Madrid), aliviados por as palavras que brotaram daquela língua viperina não lhes terem causado uma congestão. O porta voz do PSD ainda tentou um ataque ao némesis declarado dos laranjnhas, afirmando que se as políticas de austeridade com que teremos de conviver não são tão asfixiantes como se supunha isso muito se deve ao encontro que ele teve com os representantes do FMI/BCE/CE. Confesso que me senti constrangido ao vê-lo, senti até simpatia pelo excelentíssimo senhor Catroga. Apeteceu-me dar-lhe uma palmadinha nas costas, sussurrar-lhe ao ouvido para não fazer figura de urso perante o país, e guardar as críticas para amanhã quando forem anunciadas as medidas que a chamada Troika de castigadores da parvoíce nos ordenaram a acatar para recebermos capital fresco.

Se tivesse mesmo de dizer alguma coisa hoje, devia ter comentado a caratonha zangada que o Teixeira do Santos mostrava para as câmaras de televisão; o homem deu a impressão que preferia ser o recipiente de uma barba de abelhas do que estar ao lado daquele paspalho.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Justiça foi feita

Estas três curtas palavras foram hoje pronunciadas com um deleite vitorioso durante o anúncio da morte do terrorista mais procurado do mundo, uma declaração categórica e friamente serena que ficará para a história como o grito solene de um povo que reclamava vingança há praticamente uma década. Porém, a bala que pôs fim à vida de Bin Laden, poderá não ter extinguido a chama imensa que ilumina e inspira os seus seguidores. Bin Laden era mais que um homem, era o símbolo de uma ideologia que não tolera os valores e os excessos do mundo Ocidental, de um fervor religioso que vê a presença estrangeira, imperialista e herética, em território árabe como uma declaração de guerra aos seus valores e tradições, o descendente de uma família abastada que recusou os privilégios que tal posição principesca lhe concederia na sociedade saudita para lutar ferozmente nas montanhas do Afeganistão ao lado dos mujahidin contra um Império sem alma e, crime dos crimes, sem religião. Um símbolo encerra em si um poder mobilizador que não se esvai com facilidade do panorama sociopolítico mundial, continua a suscitar paixões fervorosas e a reforçar ódios mesmo após a morte; o desaparecimento da face mais visível do terrorismo desde o onze de Setembro não tem como consequência automática a cessação do terrorismo e a desagregação da Al-Qaeda, das suas células, e dos grupos que nela se inspiraram. No fundo, os efeitos práticos desta vitória simbólica apenas poderão ser avaliados com o passar do tempo.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Não, não, cidadão é o senhor

O país atravessa um momento crítico; somente um indivíduo encravado numa profunda ilusão, a viver numa realidade quimérica em que as casas são feitas de chocolate e os rios de mel, poderá ensaiar um ataque a essa evidência irreprochável, por demais patente na nossa rotina diária, tão visível a olho nu como o nascer ou o pôr do sol. As reacções das pessoas ao lodaçal viscoso em que permitiram que as enterrassem, escusando-se a contestar a competência ou as direcções que uns guias inaptos, comicamente desnorteados lhes ladravam com uma prepotência saloia, incapazes de exibir humildade e admitir que o carreiro por onde as conduziam estava minado, variam entre o cinismo, a revolta, e a renúncia silenciosa, os que se convencem que não há nada que possam fazer e, portanto, se demitem das suas responsabilidades - eles que tratem disto que é para isso que eu voto. Não me vou armar em oráculo, não tenho vocação para lançar grunhidos genéricos ao ar com a tenção de prever o futuro, nem em chico esperto, como os iluminados que saíram da toca depois do irremediável para propor mudanças que são um atentado ideológico retrógrado aos direitos mais básicos dos cidadãos, mas questiono o papel que nós, peões de um gigantesco tabuleiro civilizacional que já ultrapassa as fronteiras nacionais, teremos de desempenhar em anos vindouros, assim como a caracterização das personagens. Falo por mim a partir daqui. O que sou, o eu, deriva das conquistas suadas de um punhado de homens e mulheres de espírito buliçoso, homens e mulheres que disseram não à resignação substanciada por um regime opressivo, negando-se a pactuar com um status quo que rejeitava ferreamente a expressão individual, o pensamento livre, a justiça. E o que sou eu? Um rapaz nascido numa cidade cosmopolita, educado numa sociedade livre por uns pais - uns pobres coitados provenientes do campo a norte - que nunca tiveram infância, cidadão anónimo a morar numa selva de cimento e betão que devia ser um glorioso monumento à tolerância, às conquistas de uma revolução não concretizada - de onde não se tiraram vantagens da miscelânea de pontos de vista contraditórios à linha de pensamento neutra que gere o sistema actual (o Centrão). Sou fruto de uma árvore que foi regada com os costumes, propósitos, e preocupações que vieram com a democracia, logo, em vários planos, a senhora D é o veículo real dos valores éticos e morais que me foram propostos, baseados na entreajuda social, na cooperação, e numa igualdade de direitos, de oportunidades, que permite, a quem estiver disposto a submeter-se ao esforço, a melhorar as suas as condições de vida. Levando tudo isto em conta, é-me difícil de entender, impossível de alcançar, o desprezo despudorado, cada vez mais audível, que umas figurinhas sem importância (paladinos da verdade que, curiosamente, tendem a atacar sistematicamente o elo mais fraco da cadeia social, e a quem é concedida atenção por se moverem na esfera política) têm demonstrado por estes conceitos básicos. Talvez se sintam de peito cheio por terem o chapéu de chuva FMI a proteger-lhes as cabeçinhas. Os desempregados de longa duração são rotulados de vampiros que se acomodam à sua condição de cidadão inactivo e sugam os recursos do Estado, os pobres génios maquiavélicos que se trancam num bunker subterrâneo no meio de nenhures a planear o roubo do dinheiro dos contribuintes enquanto soltam uns risinhos maliciosos, os idosos são uns párias sem qualquer utilidade prática que até podiam servir o país se se engasgassem na sua solidão, os trabalhadores não passam de ferramentas em formato carne e osso protegidos por um muro de regalias e direitos que é um entrave ao crescimento económico e ao lucro...

Gostava que me informassem se, na próxima década, me devo transmutar num estupor que se regala numa hipocrisia exibicionista, se me devo comportar como um modelo cívico (adequado a estes tempos modernos) que ataca os que têm menos que eu, prescindindo da voz para falar das mordomias que só estão disponíveis para uma elite e começar a cuspir veneno contra aqueles que não se podem defender no palco mediático.
É ou não é este o cidadão que querem para um novo mundo?

domingo, 17 de abril de 2011

A verdade

O prefácio do livro Além do Bem e do Mal (Nietzshe) começa com uma proposta: Admitindo ser a verdade uma mulher. Recusando-me a explorar uma filosofia, e um pensamento, que não entendo em completo, difícil de encaixar numa doutrina pessoal assente em alicerces seguros, mas com uma superfície fissurada em que, de vez em quando, se acumulam divagações provenientes de doutrinas que repudiam a expressão emocional ou um romanticismo insaciável, considero a comparação de uma felicidade tremenda. Uma mulher, tal como a verdade, é procurada, desejada, inflama paixões. Corteja-mo-la com uma ânsia fervorosa se esta for bela, encetamos uma conversa morosa com ela para a seduzir e saciar um conjunto de necessidades concretas; intelectuais, emocionais, ou físicas. Convence-mo-nos (o sujeito apaixonado) que só nós, e somente nós, temos o direito de a conhecer, de a amar em pleno, que só a nós é que ela se pode revelar em todo o seu maravilhoso esplendor, e é essa vontade que nos atrai a inúmeras e arriscadas iniciativas (Nietzshe uma vez mais). Presumimos que os outros putativos pretendentes não tem capacidade para a entender ou reclamar os seus afectos, e, no entanto, eles lutam por ela, para nosso escândalo. Tal como a verdade, é-nos ensinado que não devemos trair uma mulher; temos uma obrigação moral, diria mesmo social, de a respeitar, de a honrar, de não sucumbir-mos ao engano e à manipulação. Ignoramos a objectividade quando estamos com ela. Para nós, a verdade/mulher é um objecto puro, imaculado, que sempre esperou por nós. Não nos atrevemos a encarar o facto que, antes desse encontro, já ela passou pelos braços de outros, que através do toque e das palavras de terceiros, o seu corpo e mente foram moldados.

Heroin Hero

Fiquei, inicialmente, familiarizado com este jogo num episódio do South Park, julgando que este não passava de mais um devaneio ácido, e delicioso, dos criadores da série mais irreverente que alguma vez trespassou o meu ecrã de televisão. Qual foi o meu espanto quando fiquei a saber que o jogo era real... e, possivelmente, na minha opinião, a mais estimulante, perversa, atrevo-me mesmo a dizer educacional, metáfora para o uso de drogas. Um ciclo terrível e ininterrupto de alívio diário que nunca é alcançado? Como é explicado na série, é impossível apanhar o dragão.

Penso que o cerne da questão é: serei mau tipo por achar uma piada descomunal a isto?

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Uma utopia portuguesa

No início desta semana, passou pela minha majestosa barraca o simpático colaborador do Círculo de Leitores, para recolher o meu habitual pedido mensal, e para receber o dinheiro de um livro que estava a dever. Após um breve período de ponderação contabilística (o senhor esquecera-se da factura e não tinha a certeza do preço do mencionado livro), dirigi-me à pocilga anárquica a que carinhosamente chamo de quarto para sacar umas notas do cimo da mesa de cabeceira, e saldar a dívida que tinha em atraso. Retornei à sua presença, num passo confortável, para lhe entregar o dinheiro, pôr as contas em dia, e receber o troco que serviria para pagar o maço de tabaco do dia seguinte; foi então que, ao estender a mão para lhe dar o que lhe era devido, vi um sorriso nervoso a formar-se-lhe na face, e após um breve segundo de silêncio, me comunicou, com um embaraço desnecessário, que não tinha troco para me devolver, que dera as moedas que lhe restavam a um velhote que andava solitariamente na rua a fazer uma colecta para pagar uma operação à mulher.

Já passaram mais de quarenta e oito horas desde esse encontro rotineiro, mas só agora é que me apercebi de que aquela revelação fora a mais desoladora que ouvira este ano, e se há coisa que não faltou este ano foram afirmações e declarações com uma violência moral aterradora.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Mass Effect 2: Arrival

Qualquer gamer que se preze, que use esse muito estigmatizado rótulo sem vergonha, já deve ter, pelo menos, ouvido falar (mesmo que não possua uma Xbox 360 ou uma PS3) da saga Mass Effect, uma ópera espacial de proporções épicas que coloca os jogadores na pele do Comandante Sheppard. O título(s) foi criado e desenvolvido pela Bioware, companhia canadiana que ganhou uma reputação inultrapassável no seio da indústria dos videojogos devido a narrativas ricas e complexas, mundos imaginativos e atmosféricos, e a liberdade de escolha, pouco normal, que é concedida aos jogadores para moldar a personalidade e valores (éticos e morais) da personagem jogável, influenciando as nuances da história primária, e a interacção com as personagens que se vai encontrando ao longo das campanhas. A Bioware é também um dos estúdios que melhor utiliza o potencial comercial dos serviços online das consolas (como empresa de entretenimento que é, o lucro está sempre no seu horizonte) criando conteúdo extra (DLC) para os seus IP's que são lançados, e distribuídos, pelas lojas virtuais da Microsoft (XBox Live) e da Sony (PS Store). Algumas dessas mini-aventuras não passam de meros artifícios de marketing para capitalizar o sucesso do título, outras, para além de expandirem a sua longevidade, enriquecem o arco narrativo principal de um modo que não parece forçado mas sim natural, detentoras de uma alma e de um propósito claros, que tem como função atar pontas soltas (envolvendo personagens e conflitos secundários) ou servir de epílogo a eventos passados enquanto providenciam o tom para episódios futuros (se os houver).

O mais recente, e último, DLC a ser lançado para o Mass Effect 2 intitula-se Arrival, e serve de epílogo ao jogo. A premissa é simples, mas o potencial dramático é enorme: os Reapers estão aí, a invasão da galáxia por parte das titânicas máquinas genocidas é eminente. O Almirante Hackett contacta o Sheppard no início da aventura e pede-lhe que entre num sistema hostil, controlado por batarians, com o propósito de resgatar uma amiga cientista, de seu nome Dr. Kenson, que poderá ter descoberto provas de que os Reapers estão a caminho da Via Láctea. Como disse, uma premissa simples, com um potencial dramático e emocional elevados, a promessa de se assistir ao começo de uma invasão que, em virtude dos segundos finais do ME2, é inevitável... que dá azo a uma jogabilidade simplista, a uma história superficial, e um clímax inútil. O facto de não se poder levar membros do vosso esquadrão nessa missão de salvamento, tem sido abertamente criticado pela imprensa especializada e pelos fãs nos mais diversos foruns. A mecânica do penúltimo jogo da trilogia assentava na procura e no recrutamento de companheiros, divididos de acordo com as suas classes e poderes, com o objectivo de criar um esquadrão cujas especializações melhor servissem as necessidades do jogador num contexto táctico-militar, tirando vantagem das armas e talentos ao seu dispor. Pessoalmente, a mudança nessa mecânica (fosse por razões narrativas ou logísticas) não me fez mossa; os criadores dos jogos Mass Effect sempre disseram que o universo futurístico por eles construído, expansivo e ricamente habitado, era um palco para narrar a história de um herói em particular, a sua luta contra uma ameaça praticamente invencível, e o efeito provocado pelas suas acções, o que não significa que a retirada desse elemento estratégico não tenha transformado o DLC num shoot 'em up do mais básico que há no mercado (existe uma secção em que é possível uma aproximação mais furtiva à jogabilidade, mas a dificuldade é mínima e não exige um grande esforço mental, muito por causa da IA limitada dos adversários).

Os Mass Effect (1 e 2) sempre foram pautados por escolhas de cariz moral, e práticas, complexas (poupar ou não a vida da rainha Rachni, uma raça alienígena que esteve à beira de acabar com a vida orgânica na galáxia; dar a base dos Collectors a um homem com uma mentalidade racista, manipulador, e sem escrúpulos para que a sua tecnologia possa ser usada contra a maior ameaça que já se viu...), e o Arrival não é diferente. A meio da jornada, somos confrontados como um dilema moral colossal que apela directamente à sensibilidade do jogador, do tipo que nos leva a pousar o comando e a ponderar os pós e os contras de tal responsabilidade, a pensar se estamos dispostos a arcar com as consequências do acto. O problema é que quando chega o momento da execução, de pormos em prática a nossa decisão, percebemos que a escolha que nos foi dada, e na qual se perdeu tempo a matutar, não passava de uma ilusão; o caminho já tinha sido predefinido e seria revelado através de uma cutscene em que um Sheppard hesitante faz o tem a fazer. O jogador é ilibado, mas o seu Sheppard, a personagem que se tinha vindo a construir há dois jogos, é forçado a arcar com a culpa esmagadora que daí pode (ou não) derivar, a enfrentar, sozinho e sem ajuda, as inconfortáveis consequências... quando esse acto marcante poderia nem sequer ter germinado da vontade do jogador. Vindo de um estúdio que se notabilizou pela liberdade que dá aos seus consumidores para influenciar eventos futuros, forçar uma decisão daquelas ao jogador, com uma leviandade tão casual, pode ser encarada como um ultraje e uma berrante quebra de confiança, ainda mais quando esta não impacta a história primária (no fim ficamos a saber o mesmo do que quando começamos: os Reapers vem aí), mas tal como não era possível salvar o Sheppard no começo do Mass Effect 2 (era preciso um motivo lógico para este se juntar à Cerberus), o evento em questão tem uma explicação que se tornou clara há uns dias; a liberdade pessoal não se deve sobrepor à necessidade criativa (o link dá acesso a uma página no livejournal que contem scans da Game Informer de Maio, revista de videojogos norte-americana que este mês dedicou um artigo inteiro ao Mass Effect 3, e onde é revelado o começo do jogo. Quem não gosta de spoilers, mantenha-se longe dali). Arrival até se joga bem, os combates não são maus de todo (mesmo levando em consideração a fraca IA) e há cenários com uma estética fabulosa, mas fica a sensação de que os produtores perderam uma oportunidade de construir algo de grandioso.

Comparado com o DLC anterior (Lair Of The Shadow Broker), Arrival é um produto sem chama, com um conteúdo emocional oco, e uma narrativa que nada acrescenta à mitologia da saga, sendo apenas um anúncio de uma hora, com o intuito de promover o capítulo final da trilogia ME, e não uma conclusão digna de um dos melhores jogos do ano passado.