quinta-feira, 31 de março de 2011

Lyndsy's Stare

No dia em que ficamos a saber, graças ao Eurostat, que o Governo tentou a marosca Irlandesa, não tendo incluído nas contas públicas do ano passado o custo da nacionalização do BPN e as perdas com a falência do BPP, deixo mais uma foto da Lyndsy para ver se se alegra esta merda.


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A sério?

Hugo Chávez, líder venezuelano em exercício que é uma espécie de cruzamento entre Che Guevara e Paulo Portas, e que tem a felicidade de ser muito bom amigo de José Sócrates, não esquecer esse pormenor, recebeu, ontem, na Argentina, o prémio Rodolfo Walsh para a liberdade de imprensa atribuído pela escola de jornalismo da Universidade de La Plata. Os motivos para essa meressidissima distinção são tão simples, tão óbvios, tão justos, que eu, por causa de uma maleita que me turvava a visão, e não me permitia descortinar o pioneirismo das suas medidas anti-imperialistas e pró-povo, estou neste exacto momento a fustigar-me violentamente com uma data de chibatadas que me rasgam os músculos das costas, uma por cada ano da presidência do Sr. Chávez. Estamos a falar de um homem que encetou uma verdadeira cruzada mediática, em nome de valores democráticos como a liberdade de expressão, e o acesso livre à informação independente por parte do povo venezuelano, contra a censura e monopólio das redes de comunicação privadas que se recusavam a transmitir os seus discursos propangadistas, ou a partilhar o seu pensamento político, alterando os regulamentos pelas quais estas se regiam com o objectivo de as encerrar e enterrar bem enterradas, um salutar avanço civilizacional a meu ver.

Tal distinção só perca por tardia.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Living with my Eyes Wide Shut

Revi recentemente Eyes Wide Shut, um filme de mil novecentos e noventa e nove realizado e co-escrito por Stanley Kubrick, o último esforço cinematográfico do enigmático, controverso, e reclusivo realizador norte-americano, falecido no mesmo ano, vítima de um ataque cardíaco enquanto dormia, e cujo método de trabalho meticuloso, pautado por uma atenção obsessiva ao mínimo detalhe e um perfeccionismo técnico inovador, lhe valeu a aclamação por parte de vários críticos e cinéfilos, não só como um dos realizadores mais influentes do período pós-guerra, mas como o melhor realizador da história do cinema. O filme, promovido como um thriller sexual na altura do seu lançamento, uma classificação de género que está longe de ser consensual entre os estudiosos da sua sua obra e fãs, é baseado na novela Traumnovelle (A História De Um Sonho) escrita, em mil novecentos e vinte e seis, pelo autor austríaco Arthur Schnitzler, um médico de formação que, quase de imediato, abandonou a medicina para se dedicar inteiramente à sua carreira literária e dramatúrgica, mas que, no entanto, teve um papel fulcral no estudo da sexualidade humana que lhe granjeou a admiração de Sigmund Freud. O filme narra a onírica odisseia psicológica, e sexual, de Bill Harford (papel interpretado por Tom Cruise) pelo submundo de Nova Iorque com um ciúme contido, latente, reflectido de tempos a tempos em slideshows de cariz erótico, que nunca chega a materializar junto das mulheres com que se vai deparando ao longo da sua sonâmbula jornada, quando este descobre que a mulher, Alice, (interpretada pela bela Nicole Kidman) se sentiu fortemente tentada a traí-lo com um jovem oficial da marinha durante umas férias em família. O filme segue a estrutura narrativa da sua contraparte literária, com os seus encontros fortuitos, a sua psicologia sexual, e uma desconstrução, sem fazer gritantes juízos de valor demagógicos, de uma sociedade conservadora, emocionalmente reprimida, e que, na sua perseverança em ostentar uma máscara de seriedade, predicada em costumes anacrónicos, se revela ser moralmente hipócrita e vazia; na película, ao contrário do que acontece na novela, essas falsas percepções são incorporadas pela personagem amoral, sinistra, decadente de Victor Ziegler (Sydney Pollack), e na vida real são patentes no sistema de classificação etário norte-americano, que se viu na obrigação de forçar o estúdio a censurar a climática sequência da orgia para obter a classificação R (filme para maiores de dezasseis) de um filme que é, tanto em termos temáticos como visuais, uma obra destinada a olhos adultos, com uma sensibilidade adulta.

Eyes Wide Shut é um filme hipnótico, fabulosamente atmosférico, que se apresenta a quem o vê como se fosse um intenso sonho lúcido. O universo em que Bill começa a movimentar-se, a partir do momento em que vê a sua vida pacata, perfeita, (sentimento que provavelmente tem a sua génese numa ingenuidade tonta e incauta que não está presente no seu gémeo literário, Fridolin), a desmoronar-se, está repleto de acasos convenientes (o reencontro com o amigo que lhe fala e dá a senha (Fidelio, fiel) para entrar na mansão onde a orgia decorre), episódios estranhos (o incidente com o grupo de jovens que o insultam com epítepos homofóbicos, questionando a sua virilidade), e personagens excêntricas (o dono da loja que lhe aluga a máscara e o fato que usa para se misturar com os restantes participantes da orgia, e que prostitui a filha); parece que ele penetrou directamente no seu subconsciente, e trouxe à tona os seus desejos, as suas fantasias mais obscuras e profundas, manifestando-as numa complexa teia urbana que lhe permite ter as oportunidades de que necessita para exercer uma vingança a que não aspira, e que devido a isso, não chega a executar, evitando-a.

Na parte final da novela, Albertine relata um sonho a Fridolin em que este é crucificado por se recusar a renunciar ao amor que nutre por ela para se tornar no namorado da princesa da aldeia, apesar de esta, agora, fazer sexo com vários outros homens e não sentir um pingo de pena dele ao vê-lo naquela posição; a sua lealdade para com ela, destrói-o. Um sonho semelhante é relatado no filme (... and then I was lying in a beautiful garden, stretched out naked in the sunlight, and a man walked out of the woods... he was... he was the man from the hotel... he stared at me and... he just laughed... he just laughed at me... and then we were making love, we were fucking, and then there were people around us, surrounding us, hundreds of them, and everyone was fucking... and I knew you could see me, fucking all this men... and I wanted to make fun of you, to laugh in you face...) , o que levanta a questão se a orgia que Bill/Fridolin presencia é real ou não, se, no final de contas, mesmo desejando reavivar e remendar a sua relação, esta não estará inevitavelmente condenada, se a sua salvação, se o objecto do seu desejo, não não existirá noutro lugar, nos braços de outra mulher, se ele não estará a viver de olhos bem fechados como muitos outros.

E deixo aqui o teaser:









As agências de rating já estão a afiar o cutelo

“Desde o início da crise financeira temos sido testemunhas da falta de vontade ou inabilidade do Governo para implementar as medidas necessárias para responder verdadeiramente aos problemas de Portugal e levar o país a um caminho de estabilidade”, afirma, dizendo que o país está actualmente dependente do financiamento do Banco Central Europeu e que poderá atingir este ano “um défice superior a 5 por cento, segundo a Comissão Europeia”. In Público

Se o Pelé calado é um poeta, então o Passos Coelho é um bardo.

“O PSD irá apresentar um programa claro e realista para responder aos problemas de Portugal”, promete Passos Coelho...

Com propostas económicas e sociais como esta, indubitavelmente capazes de potenciar o crescimento do país e de melhorar as condições sociais das classes mais frágeis, penso que ele está no bom caminho.

Um génio político este senhor.

terça-feira, 29 de março de 2011

Obsessão


Love is an entrapment, and when you realize that, you are condemned to destroy yourself.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Sporting Clube de Portugal


Já se passaram mais de quarenta e oito horas desde que terminou um acto eleitoral que, para mim, quase de certeza devido à estúpida aflição severa que esmaga o meu espírito sportinguista, tem de ser caracterizado como infame e terrivelmente catastrófico, duas noites cinzentas desde que senti, desde que presenciei, com uma impotência emocionalmente devastadora, uma alegria pessoal, indescritível, a esfumar-se no ar gélido da madrugada de Domingo, e uma desolação raivosa se instalou nos corações leoninos de muitos milhares de simpatizantes, adeptos, e sócios de uma centenária e orgulhosa instituição desportiva, detentora de uma história lendária, factualmente grandiosa, meritória, séria, marcada desde os primórdios da sua fundação, em mil novecentos e seis, por uma pioneira preocupação social, e um conjunto de regras de conduta que eram exemplares para a época, e que hoje em dia são inatacáveis. O Sporting, como é comum dizer-se nos círculos verdes e brancos, é um clube realmente diferente, mas presumo que o que nos verdadeiramente captou a imaginação enquanto crescíamos a ouvir os nossos pais e avós a falar do nosso clube, para além dos seus valores e princípios, é o seu historial recheado de títulos, conquistas que nos foram dadas, com suor e lágrimas, por jogadores míticos e equipas imbatíveis, cujos nomes e denominações ainda hoje recordamos com nostalgia, os resquícios de uma era de glória há muito perdida.

O Sporting de hoje, o Sporting da integridade, do realismo, da contenção, da derrota digna, da punchline das piadas feitas por adeptos adversários, por muito que me custe a admiti-lo, e ao contrário de outros indivíduos que, a julgar pelo senhor carismático que, supostamente, elegeram para a presidência, vivem de olhos fechados, é uma sombra ténue da força desportiva que já foi em décadas passadas. Os títulos são esporádicos e, na sua maioria, insignificantes no plano desportivo actual, o que não impede um conhecido comentador desportivo de afirmar que a última década foi, em termos de resultados, a melhor desde o tempo dos Cinco Violinos. Os dirigentes são de uma mediocridade vergonhosa, seres raquíticos que percebem tanto de futebol como o americano comum, comprando jogadores medianos, com pouca ou nenhuma qualidade, por quantias exorbitantes e que, como é natural, não conseguem rentabilizar em campo, e por consequência no mercado; estamos a falar de dirigentes sem uma centelha de competência, fúria, ou personalidade para se degladiarem com os presidentes dos outros clubes, de lutarem pelos interesses do Sporting perante as organizações que regem o futebol português, incapazes de se insurgirem contra uma banca que suga a força vital do clube, e de romper com um passado, com um modelo desportivo, que é sinónimo de derrota ininterrupta, mas que, no entanto, são capazes de se sentarem ao lado de um homem que se gaba de os terem deixado de mão estendida, que goza com um funcionário da instituição que tem mais integridade na ponta de um cabelo do que o Papa em questão tem em todo o corpo, que telefonou para um compadre que tinha na Liga e lhe pediu para castigar um ex-jogador leonino. Eu dos treinadores nem falo; são tão competentes como uma actriz de filmes porno a interpretar uma peça de Shakespeare.

Muitos, na maioria jovens, visivelmente os gajos mais inconformados com a situação preocupante em que o Sporting está mergulhado há já demasiados anos, acalentavam o desejo desesperado de verem no passado fim-de-semana uma mudança radical no paradigma de gestão do SCP, de verem eleito um líder que pusesse o clube num caminho em que os obstáculos não eram um entrave à grandeza, mas sim um incómodo temporário. Dos cinco candidatos que se apresentaram a eleições, apenas um, na minha óptica, tinha a postura forte e as condições fundamentais para executar essa putativa mudança: Bruno de Carvalho. A sua vontade férrea, e uma personalidade fria, calma, a ocultar uma paixão doentia, explosiva, fazia-o sobressair. O seu discurso era motivador, diferente, sem subterfúgios, e as propostas claras, o rumo nítido. As calúnias e os insultos desprezíveis com que os outros quatro o começaram a bombardear assim que a sua presença simpática se transformou numa inconveniência séria aos seus objectivos, e quase todas vindas da boca do fuinha que agora pede união em torno do seu berrante reinado, e dos seus apoiantes, que a julgar pelos comentários que já li revelam ter a elevação e a educação de um verme, tiveram o condão de atrair mais membros para a sua causa. Às cinco da manhã o sonho da mudança parecia que iria concretizar-se; todas as informações que passavam cá para fora o indicavam. Às seis, e após uma série de eventos nebulosos e recambulescos, percebi que o pesadelo iria, possivelmente, continuar por mais quatro anos. Não era desta que os receios e as inseguranças que me perturbam quanto ao futuro dos leões, e que não me permitem ter paz, se iriam esfumar. Assisti, preocupado, ao estalar da violência; vi, com admiração, o sentido de responsabilidade de um homem que tem genuinamente os interesses do clube em mente. O que é que restou daí? A corja que levou o Sporting Clube de Portugal à ruína iria continuar a arrastar o seu nome pela lama. Luís Duque e Carlos Freitas são homens competentes, é verdade, mas também são nomes do passado. Temos que começar a olhar para o futuro. Tudo ainda pode mudar (a inconsistência no número de votos contados, a estranheza de mil e quinhentos votantes não serem suficientes para dar uma vitória clara, os pedidos de recontagem que supostamente foram pedidos e não aconteceram, as palavras de felicitações de Rogério Alves a Bruno de Carvalho, a disparidade entre as informações que foram sendo difundidas ao longo da noite, a impugnação das eleições), mas até que a ala conservadora, até que a dinastia Roquette, até que a velhada que corrói as fundações nas quais o Sporting está alicerçado, que temendo o que não conhece, se dispõe a abraçar uma segurança destrutiva, seja destronada de um trono que não é deles... o que é que se pode fazer?

Bettencourt devia ser o ponto final de uma política claramente falhada, e Sábado o início de uma nova era, uma era de mudança, uma era de esperança. O mundo do futebol é brutal, não é para ingénuos. Só nos resta continuar a lutar... ou esperar.

quinta-feira, 24 de março de 2011

FMI

Vi hoje que a Fitch, essa organização seríssima, recheada de analistas económicos infalíveis, com um QI a rondar os 300 pontos, e com um historial de avaliação de risco factualmente intocável, pelo menos relativamente à Islândia e à Républica da Irlanda, cortou, uma vez mais, o rating da dívida portuguesa em dois níveis, um novo passo precioso na direcção do apocalipse económico que o Medina Carreira me anda a prometer há anos.

Ontem, o Passos Coelho, no seu patriotismo incontestável, e após uma luta heróica para devolver a voz ao povo, mesmo quando este não apresentava sintomas visíveis de padecer de uma rouquidão aguda, disse, perante as câmaras, e com o seu já habitual carisma e glamour, que não tem alternativas para apresentar ao país, mas que está disponível para encontrar uma estratégia que restitua a esperança dos portugueses. Está visto que passou várias horas à frente do espelho do Miguel Relvas - o coitado nem dinheiro tinha para comprar umas prendinhas para as filhas, quanto mais comprar mobiliário para a sua barraca - a treinar o seu mobilizador discurso político.

O Sócrates, como se preparam umas eleições lá para Maio ou Junho, transmutou-se numa vítima indefesa desses papões que preenchem o Parlamento.

O Paulo Portas foi cómico como sempre.



O Jerónimo de Sousa disse qualquer coisa contra a política de Direita e o Louça, com a sua verve e eloquência primorosas, não disse nada.

F
oda-se, Mesmo Idiotas.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Lyndsy

Que raio de país é este que força os melhores de nós a procurar refúgio em terras distantes, e a lá deixar os frutos do seu trabalho?

Lyndsy Fonseca

Blá, Blá, Blá

Nós devemos ser o único país do mundo, presumo que seja mais uma invenção à portuguesa, em que se escarnece, com berros e insultos automáticos, daqueles que tem ideias concretas, passíveis de serem criticadas ou elogiadas de acordo com o seu mérito e praticalidade, e surpreendentemente se aplaude, numa atitude incompreensível, o vazio de propostas que são traduzidas em frases vãs, provenientes da língua venenosa de indivíduos que tudo prometem, mas nada revelam, indivíduos que atacam hipocritamente, sem vergonha, os adversários como se eles fossem homens castos a caminho da santidade.

Não temam a mudança.

terça-feira, 22 de março de 2011

O último tango em Lisboa


Ignorando o orgulho juvenil, a arrogância imerecida, ou a soberba descomunal, com que os gajos da minha idade normalmente falam de si próprios, se comportam perante os outros, como se o mundo lhes pertencesse, considero-me, e afirmo-o a alta voz, sem nenhum complexo por ter gloriosamente dado cabo da minha vida estudantil, um rapaz razoavelmente inteligente, moderadamente informado, com um nível cultural, e um nível de conhecimentos aceitável. Infelizmente, sou um romântico por natureza, um ser brutalmente ciente dos seus pecados, das suas falhas, emotivo, desdenhoso de quem o quer forçar a aceitar a lógica, as normas pelas quais a sociedade ocidental se rege, não um realista, uma criatura empírica, como deveria ser para ter sucesso nos meus empreendimentos, experiências que egoisticamente julgo serem-me devidas. Não é o sucesso monetário, pessoal, que eu almejo, vejam, mas sim algo de inatingível. Todas as fantasias são inatingíveis a não ser através da ilusão. Alguém sonha com uma bela, anónima mulher a caminhar na rua, com quem faz sexo sem nunca saber o seu nome, e a partir desse construto mental, vindo do subconsciente, nasce o derradeiro art film, um intenso drama psicológico carregado de sexualidade pura, em que o único, derradeiro mecanismo de contacto intímo, em que a vulnerabilidade ainda é permitida, é usado como punição pela personagem principal, mas, principalmente, para sentir alguma coisa. E não é isso que nós desejamos acima de tudo, sentir?

Um homem passeia numa rua envolta num negrume total, o silêncio acentuado por uma bruma estival. Num prédio, encostada à porta de entrada de um prédio a cair de podre, sem luz, vê uma mulher, vestida com uma camisola de lã preta e calças de ganga, bonita, olhos castanhos, cabelo louro avelã, a chorar copiosamente, as suas feições ruborizadas pelas lágrimas. O homem pára o seu passo, observa-a, estuda as suas feições, e apaixona-se. Anos mais tarde, conhece uma rapariga que possui uma semelhança inacreditável com a mulher que vira junto aquele prédio, um invólucro no qual pode projectar a sua fantasia; é uma explicação possível para a enfatuação que ele sente por ela, uma mulher do qual ele nada sabe. Ele descobre o nome dela, e pouco mais. Os seus avanços não são retribuídos, a personalidade dela inexistente, os seus gostos uma incóginta, mas mesmo assim a sua obsessão cresce, imparável, como uma locomotiva sem travões, mesmo com ela a brincar com as suas emoções, mesmo quando ele descobre que ela se dispôs a envolver com outro, que curiosamente, recusa os seus avanços por causa dele. Passado um ano, perdem o contacto, mas a memória daquela rapariga ainda o assombra, emergindo, de tempos a tempos, em sonhos, em pensamentos solitários, levando-o a afundar-se cada vez mais nas profundezas das suas fantasias irrealizáveis. Ele ama-a, e não sabe porquê.

As fantasias, o se, tomam conta de mim. É preferível à realidade.






segunda-feira, 21 de março de 2011

Um mundo catita


O percurso de um homem é uma construção contínua de escolhas, de encontros casuais, e talvez, para os que possuem uma sensibilidade metafísica, que de uma maneira consciente, ou então não, colocam o volante da sua vida nas mãos de um criador omnipresente, mas cruelmente ausente, de coincidências. É a vontade de Deus, afirmam eles na sua inocência infantil. Claro que o contexto da situação, do acontecimento, em que essas palavras são proferidas, é fundamental para que tal consideração deixe de ser uma pérola mental de sabedoria, e saia para o mundo como se fosse um tranquilizante para uma alma inquieta (se acreditarem no conceito religioso da alma). Um indivíduo com noventa anos é levado ao hospital devido a uma notória dificuldade em respirar. É-lhe diagnosticada uma infecção respiratória por um médico que o observa com frieza, cansado, sem paciência para perder o seu tempo com um homem que já viveu o suficiente, mesmo que essa seja a sua função, mesmo que tenha feito um juramento que o compele a ajudar um semelhante. Minutos depois, após um exame rudimentar, é enviado para casa apenas com uma folha de papel que lhe permitirá adquirir um medicamento que irá aliviar a sua dor muda, pois um homem de noventa anos não se queixa, não reclama, nem tem forças para pedir que façam mais por ele, que o salvem da escuridão que o quer reclamar. Na noite a seguir, ao colocarem, com tristeza, o comprimido milagroso, que supostamente o curará da maleita que o aflige, na boca, ao provar o sabor amargo de uma mescla de químicos que lhe picam a ponta da língua e não consegue engolir, os seus olhos vítreos fecham-se, desta vez para sempre. É a vontade de Deus, é então dito vezes e vezes sem conta, ilibando o tempo, a sua condição, e até o médico, de qualquer responsabilidade na sua morte. É a vontade de Deus.

Nós somos animais, criaturas de carne e osso que se deleitam com a sua magnificência, que se orgulham de terem tomado conta do planeta através do engenho e da força, mas que, apesar de todos os seus feitos, sejam eles civilizacionais, culturais, morais, artísticos, ou tecnológicos, continua a ser guiada por instintos primitivos. Um simples olhar luxurioso, numa rua, num bar, numa estação ferroviária, a promessa de uma noite de paixão rápida, anónima, iniciada com a troca de números de telemóveis ou de e-mails, e concretizada através do envio de mensagens electrónicas, ou trocas monetárias, em que a excitação do contacto carnal fugaz numa pensão escondida é infinitivamente mais aprazível, mais extraordinária que uma ligação emocional duradoura, algo que, sejamos realistas, é praticamente impossível de concretizar num mundo moderno, despersonalizado, em que a velocidade a que nos movemos não permite perder muito tempo com a intimidade, é o que basta para preencher a nossa necessidade natural de aceitação, para nos convencer-mos de que não perdemos o dia a lavar pratos num restaurante em que não passamos de objectos, que não somos uns falhados, que fizemos algo de espantoso, que durante meia-hora fomos o centro do universo para alguém, fomos desejados, que acrescentámos mais uma história ao livrinho preto de que nos podemos gabar a quem quer que esteja disposto a nos ouvir.

Escolhas, encontros casuais, coincidências, experiências que modificam a nossa vida, que moldam o nosso caminho, que nos abrem os olhos para o futuro. São seis horas da noite. Dois colegas de turma saem da escola satisfeitos por mais um cansativo e excruciante dia de aulas ter terminado, deixando para trás as salas, com a tinta a descascar, em que foram metidos como gado para que as suas jovens mentes pudessem absorver a educação que lhes fora imposta por estranhos, onde estiveram sentados mais de sete horas em cadeiras duras, desconfortáveis, a ouvir, com pouca atenção, as esgotantes palestras que os professores lhes davam com o objectivo de lhes cravar no cérebro uma série de informações e factos que não lhes interessava, que não eram relevantes para o seu futuro, informações e factos que , na sua óptica, não tinham utilidade prática. Caminham pela penumbra da noite fresca envolvidos numa conversa banal, insultando-se um ao outro e partilhando ideias sem pés nem cabeça. Subitamente, num beco entre dois prédios, em que a iluminação era fraca, dão de caras com um grupo de rapazes, uns mais novos, outros mais velhos que eles, que começam a caminhar rapidamente na direcção deles ao ver que se aproximavam, rodeando-os. Um pede-lhes trocos, um segundo ordena-lhes que mostrem as mochilas, um terceiro, talvez para impressionar os amigos, talvez para mostrar força, pergunta, sem nenhum motivo, ao rapaz que estava ao lado dele Buga dar uma facada neste gajo? Felizmente, no seio do grupo, encontrava-se uma pessoa, um dos rapazes mais velhos, que os colegas tinham conhecido há dias enquanto jogavam futebol, e para o qual um dos colegas de escola se vira, com receio, e pergunta X, como é? Com um simples mover de lábios, o X diz-lhes para não se preocuparem e ordena aos companheiros que que não lhes façam mal e os deixem em paz.

Três histórias ficcionadas, três histórias reais. A verdade? É este o nosso legado.




sexta-feira, 11 de março de 2011

Método Socrático


Eu sou um pária, um vácuo ideológico que corrompe uma cultura milenar sem qualquer espécie de pudor, o resquício de uma sociedade invisível para o comum dos mortais, imutável, narcisista, sem sensibilidade, com regras delineadas por uma moral, por uma ética risível, burlesca, somente aplicável a uma elite que se move num sistema em que o mérito é comprável, e não ganho, o talento inexistente, mas manobrável, o poder conquistado com um sorriso de escárnio puro, e em que as mentiras e as promessas vãs que vos vendo são ocultadas pela vossa própria permissividade, pelo vosso patético ócio intelectual.

Impondo a minha vontade, os meus delírios de grandeza, a quem desperdiça o pouco tempo que lhes é dado, neste meu Portugal, construo um microcosmos em que os sonhos, o esforço, os desejos de quem nele habita, o tal buraco escuro para o qual vos arrastei, são esmagados pelo meu ego, pela minha cegueira, qualidades que me são inatas e que mentes mais reaccionárias invocam para me apelidar de irresponsável, de irrealista, ou de arrogante, mas, curiosamente, nunca tolo, e tolo é o que sou, porque, como dizia o meu conterrâneo, eu não aspiro à beleza, ao bem, ou à felicidade espiritual, já que estou satisfeito comigo próprio. Não é, afinal, a perfeição o cume do processo evolutivo?

Eu não vos sirvo, vocês é que me servem. Eu não tenho em mente os vossos interesses, os interesses do meu Portugal; eu respondo a uma entidade mais poderosa do que o voto.

Eu sou o vosso futuro. O que é que vão fazer quanto a isso?