quarta-feira, 30 de março de 2011

Living with my Eyes Wide Shut

Revi recentemente Eyes Wide Shut, um filme de mil novecentos e noventa e nove realizado e co-escrito por Stanley Kubrick, o último esforço cinematográfico do enigmático, controverso, e reclusivo realizador norte-americano, falecido no mesmo ano, vítima de um ataque cardíaco enquanto dormia, e cujo método de trabalho meticuloso, pautado por uma atenção obsessiva ao mínimo detalhe e um perfeccionismo técnico inovador, lhe valeu a aclamação por parte de vários críticos e cinéfilos, não só como um dos realizadores mais influentes do período pós-guerra, mas como o melhor realizador da história do cinema. O filme, promovido como um thriller sexual na altura do seu lançamento, uma classificação de género que está longe de ser consensual entre os estudiosos da sua sua obra e fãs, é baseado na novela Traumnovelle (A História De Um Sonho) escrita, em mil novecentos e vinte e seis, pelo autor austríaco Arthur Schnitzler, um médico de formação que, quase de imediato, abandonou a medicina para se dedicar inteiramente à sua carreira literária e dramatúrgica, mas que, no entanto, teve um papel fulcral no estudo da sexualidade humana que lhe granjeou a admiração de Sigmund Freud. O filme narra a onírica odisseia psicológica, e sexual, de Bill Harford (papel interpretado por Tom Cruise) pelo submundo de Nova Iorque com um ciúme contido, latente, reflectido de tempos a tempos em slideshows de cariz erótico, que nunca chega a materializar junto das mulheres com que se vai deparando ao longo da sua sonâmbula jornada, quando este descobre que a mulher, Alice, (interpretada pela bela Nicole Kidman) se sentiu fortemente tentada a traí-lo com um jovem oficial da marinha durante umas férias em família. O filme segue a estrutura narrativa da sua contraparte literária, com os seus encontros fortuitos, a sua psicologia sexual, e uma desconstrução, sem fazer gritantes juízos de valor demagógicos, de uma sociedade conservadora, emocionalmente reprimida, e que, na sua perseverança em ostentar uma máscara de seriedade, predicada em costumes anacrónicos, se revela ser moralmente hipócrita e vazia; na película, ao contrário do que acontece na novela, essas falsas percepções são incorporadas pela personagem amoral, sinistra, decadente de Victor Ziegler (Sydney Pollack), e na vida real são patentes no sistema de classificação etário norte-americano, que se viu na obrigação de forçar o estúdio a censurar a climática sequência da orgia para obter a classificação R (filme para maiores de dezasseis) de um filme que é, tanto em termos temáticos como visuais, uma obra destinada a olhos adultos, com uma sensibilidade adulta.

Eyes Wide Shut é um filme hipnótico, fabulosamente atmosférico, que se apresenta a quem o vê como se fosse um intenso sonho lúcido. O universo em que Bill começa a movimentar-se, a partir do momento em que vê a sua vida pacata, perfeita, (sentimento que provavelmente tem a sua génese numa ingenuidade tonta e incauta que não está presente no seu gémeo literário, Fridolin), a desmoronar-se, está repleto de acasos convenientes (o reencontro com o amigo que lhe fala e dá a senha (Fidelio, fiel) para entrar na mansão onde a orgia decorre), episódios estranhos (o incidente com o grupo de jovens que o insultam com epítepos homofóbicos, questionando a sua virilidade), e personagens excêntricas (o dono da loja que lhe aluga a máscara e o fato que usa para se misturar com os restantes participantes da orgia, e que prostitui a filha); parece que ele penetrou directamente no seu subconsciente, e trouxe à tona os seus desejos, as suas fantasias mais obscuras e profundas, manifestando-as numa complexa teia urbana que lhe permite ter as oportunidades de que necessita para exercer uma vingança a que não aspira, e que devido a isso, não chega a executar, evitando-a.

Na parte final da novela, Albertine relata um sonho a Fridolin em que este é crucificado por se recusar a renunciar ao amor que nutre por ela para se tornar no namorado da princesa da aldeia, apesar de esta, agora, fazer sexo com vários outros homens e não sentir um pingo de pena dele ao vê-lo naquela posição; a sua lealdade para com ela, destrói-o. Um sonho semelhante é relatado no filme (... and then I was lying in a beautiful garden, stretched out naked in the sunlight, and a man walked out of the woods... he was... he was the man from the hotel... he stared at me and... he just laughed... he just laughed at me... and then we were making love, we were fucking, and then there were people around us, surrounding us, hundreds of them, and everyone was fucking... and I knew you could see me, fucking all this men... and I wanted to make fun of you, to laugh in you face...) , o que levanta a questão se a orgia que Bill/Fridolin presencia é real ou não, se, no final de contas, mesmo desejando reavivar e remendar a sua relação, esta não estará inevitavelmente condenada, se a sua salvação, se o objecto do seu desejo, não não existirá noutro lugar, nos braços de outra mulher, se ele não estará a viver de olhos bem fechados como muitos outros.

E deixo aqui o teaser:









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