terça-feira, 22 de março de 2011

O último tango em Lisboa


Ignorando o orgulho juvenil, a arrogância imerecida, ou a soberba descomunal, com que os gajos da minha idade normalmente falam de si próprios, se comportam perante os outros, como se o mundo lhes pertencesse, considero-me, e afirmo-o a alta voz, sem nenhum complexo por ter gloriosamente dado cabo da minha vida estudantil, um rapaz razoavelmente inteligente, moderadamente informado, com um nível cultural, e um nível de conhecimentos aceitável. Infelizmente, sou um romântico por natureza, um ser brutalmente ciente dos seus pecados, das suas falhas, emotivo, desdenhoso de quem o quer forçar a aceitar a lógica, as normas pelas quais a sociedade ocidental se rege, não um realista, uma criatura empírica, como deveria ser para ter sucesso nos meus empreendimentos, experiências que egoisticamente julgo serem-me devidas. Não é o sucesso monetário, pessoal, que eu almejo, vejam, mas sim algo de inatingível. Todas as fantasias são inatingíveis a não ser através da ilusão. Alguém sonha com uma bela, anónima mulher a caminhar na rua, com quem faz sexo sem nunca saber o seu nome, e a partir desse construto mental, vindo do subconsciente, nasce o derradeiro art film, um intenso drama psicológico carregado de sexualidade pura, em que o único, derradeiro mecanismo de contacto intímo, em que a vulnerabilidade ainda é permitida, é usado como punição pela personagem principal, mas, principalmente, para sentir alguma coisa. E não é isso que nós desejamos acima de tudo, sentir?

Um homem passeia numa rua envolta num negrume total, o silêncio acentuado por uma bruma estival. Num prédio, encostada à porta de entrada de um prédio a cair de podre, sem luz, vê uma mulher, vestida com uma camisola de lã preta e calças de ganga, bonita, olhos castanhos, cabelo louro avelã, a chorar copiosamente, as suas feições ruborizadas pelas lágrimas. O homem pára o seu passo, observa-a, estuda as suas feições, e apaixona-se. Anos mais tarde, conhece uma rapariga que possui uma semelhança inacreditável com a mulher que vira junto aquele prédio, um invólucro no qual pode projectar a sua fantasia; é uma explicação possível para a enfatuação que ele sente por ela, uma mulher do qual ele nada sabe. Ele descobre o nome dela, e pouco mais. Os seus avanços não são retribuídos, a personalidade dela inexistente, os seus gostos uma incóginta, mas mesmo assim a sua obsessão cresce, imparável, como uma locomotiva sem travões, mesmo com ela a brincar com as suas emoções, mesmo quando ele descobre que ela se dispôs a envolver com outro, que curiosamente, recusa os seus avanços por causa dele. Passado um ano, perdem o contacto, mas a memória daquela rapariga ainda o assombra, emergindo, de tempos a tempos, em sonhos, em pensamentos solitários, levando-o a afundar-se cada vez mais nas profundezas das suas fantasias irrealizáveis. Ele ama-a, e não sabe porquê.

As fantasias, o se, tomam conta de mim. É preferível à realidade.






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