quarta-feira, 13 de abril de 2011

Mass Effect 2: Arrival

Qualquer gamer que se preze, que use esse muito estigmatizado rótulo sem vergonha, já deve ter, pelo menos, ouvido falar (mesmo que não possua uma Xbox 360 ou uma PS3) da saga Mass Effect, uma ópera espacial de proporções épicas que coloca os jogadores na pele do Comandante Sheppard. O título(s) foi criado e desenvolvido pela Bioware, companhia canadiana que ganhou uma reputação inultrapassável no seio da indústria dos videojogos devido a narrativas ricas e complexas, mundos imaginativos e atmosféricos, e a liberdade de escolha, pouco normal, que é concedida aos jogadores para moldar a personalidade e valores (éticos e morais) da personagem jogável, influenciando as nuances da história primária, e a interacção com as personagens que se vai encontrando ao longo das campanhas. A Bioware é também um dos estúdios que melhor utiliza o potencial comercial dos serviços online das consolas (como empresa de entretenimento que é, o lucro está sempre no seu horizonte) criando conteúdo extra (DLC) para os seus IP's que são lançados, e distribuídos, pelas lojas virtuais da Microsoft (XBox Live) e da Sony (PS Store). Algumas dessas mini-aventuras não passam de meros artifícios de marketing para capitalizar o sucesso do título, outras, para além de expandirem a sua longevidade, enriquecem o arco narrativo principal de um modo que não parece forçado mas sim natural, detentoras de uma alma e de um propósito claros, que tem como função atar pontas soltas (envolvendo personagens e conflitos secundários) ou servir de epílogo a eventos passados enquanto providenciam o tom para episódios futuros (se os houver).

O mais recente, e último, DLC a ser lançado para o Mass Effect 2 intitula-se Arrival, e serve de epílogo ao jogo. A premissa é simples, mas o potencial dramático é enorme: os Reapers estão aí, a invasão da galáxia por parte das titânicas máquinas genocidas é eminente. O Almirante Hackett contacta o Sheppard no início da aventura e pede-lhe que entre num sistema hostil, controlado por batarians, com o propósito de resgatar uma amiga cientista, de seu nome Dr. Kenson, que poderá ter descoberto provas de que os Reapers estão a caminho da Via Láctea. Como disse, uma premissa simples, com um potencial dramático e emocional elevados, a promessa de se assistir ao começo de uma invasão que, em virtude dos segundos finais do ME2, é inevitável... que dá azo a uma jogabilidade simplista, a uma história superficial, e um clímax inútil. O facto de não se poder levar membros do vosso esquadrão nessa missão de salvamento, tem sido abertamente criticado pela imprensa especializada e pelos fãs nos mais diversos foruns. A mecânica do penúltimo jogo da trilogia assentava na procura e no recrutamento de companheiros, divididos de acordo com as suas classes e poderes, com o objectivo de criar um esquadrão cujas especializações melhor servissem as necessidades do jogador num contexto táctico-militar, tirando vantagem das armas e talentos ao seu dispor. Pessoalmente, a mudança nessa mecânica (fosse por razões narrativas ou logísticas) não me fez mossa; os criadores dos jogos Mass Effect sempre disseram que o universo futurístico por eles construído, expansivo e ricamente habitado, era um palco para narrar a história de um herói em particular, a sua luta contra uma ameaça praticamente invencível, e o efeito provocado pelas suas acções, o que não significa que a retirada desse elemento estratégico não tenha transformado o DLC num shoot 'em up do mais básico que há no mercado (existe uma secção em que é possível uma aproximação mais furtiva à jogabilidade, mas a dificuldade é mínima e não exige um grande esforço mental, muito por causa da IA limitada dos adversários).

Os Mass Effect (1 e 2) sempre foram pautados por escolhas de cariz moral, e práticas, complexas (poupar ou não a vida da rainha Rachni, uma raça alienígena que esteve à beira de acabar com a vida orgânica na galáxia; dar a base dos Collectors a um homem com uma mentalidade racista, manipulador, e sem escrúpulos para que a sua tecnologia possa ser usada contra a maior ameaça que já se viu...), e o Arrival não é diferente. A meio da jornada, somos confrontados como um dilema moral colossal que apela directamente à sensibilidade do jogador, do tipo que nos leva a pousar o comando e a ponderar os pós e os contras de tal responsabilidade, a pensar se estamos dispostos a arcar com as consequências do acto. O problema é que quando chega o momento da execução, de pormos em prática a nossa decisão, percebemos que a escolha que nos foi dada, e na qual se perdeu tempo a matutar, não passava de uma ilusão; o caminho já tinha sido predefinido e seria revelado através de uma cutscene em que um Sheppard hesitante faz o tem a fazer. O jogador é ilibado, mas o seu Sheppard, a personagem que se tinha vindo a construir há dois jogos, é forçado a arcar com a culpa esmagadora que daí pode (ou não) derivar, a enfrentar, sozinho e sem ajuda, as inconfortáveis consequências... quando esse acto marcante poderia nem sequer ter germinado da vontade do jogador. Vindo de um estúdio que se notabilizou pela liberdade que dá aos seus consumidores para influenciar eventos futuros, forçar uma decisão daquelas ao jogador, com uma leviandade tão casual, pode ser encarada como um ultraje e uma berrante quebra de confiança, ainda mais quando esta não impacta a história primária (no fim ficamos a saber o mesmo do que quando começamos: os Reapers vem aí), mas tal como não era possível salvar o Sheppard no começo do Mass Effect 2 (era preciso um motivo lógico para este se juntar à Cerberus), o evento em questão tem uma explicação que se tornou clara há uns dias; a liberdade pessoal não se deve sobrepor à necessidade criativa (o link dá acesso a uma página no livejournal que contem scans da Game Informer de Maio, revista de videojogos norte-americana que este mês dedicou um artigo inteiro ao Mass Effect 3, e onde é revelado o começo do jogo. Quem não gosta de spoilers, mantenha-se longe dali). Arrival até se joga bem, os combates não são maus de todo (mesmo levando em consideração a fraca IA) e há cenários com uma estética fabulosa, mas fica a sensação de que os produtores perderam uma oportunidade de construir algo de grandioso.

Comparado com o DLC anterior (Lair Of The Shadow Broker), Arrival é um produto sem chama, com um conteúdo emocional oco, e uma narrativa que nada acrescenta à mitologia da saga, sendo apenas um anúncio de uma hora, com o intuito de promover o capítulo final da trilogia ME, e não uma conclusão digna de um dos melhores jogos do ano passado.

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