sexta-feira, 15 de abril de 2011

Uma utopia portuguesa

No início desta semana, passou pela minha majestosa barraca o simpático colaborador do Círculo de Leitores, para recolher o meu habitual pedido mensal, e para receber o dinheiro de um livro que estava a dever. Após um breve período de ponderação contabilística (o senhor esquecera-se da factura e não tinha a certeza do preço do mencionado livro), dirigi-me à pocilga anárquica a que carinhosamente chamo de quarto para sacar umas notas do cimo da mesa de cabeceira, e saldar a dívida que tinha em atraso. Retornei à sua presença, num passo confortável, para lhe entregar o dinheiro, pôr as contas em dia, e receber o troco que serviria para pagar o maço de tabaco do dia seguinte; foi então que, ao estender a mão para lhe dar o que lhe era devido, vi um sorriso nervoso a formar-se-lhe na face, e após um breve segundo de silêncio, me comunicou, com um embaraço desnecessário, que não tinha troco para me devolver, que dera as moedas que lhe restavam a um velhote que andava solitariamente na rua a fazer uma colecta para pagar uma operação à mulher.

Já passaram mais de quarenta e oito horas desde esse encontro rotineiro, mas só agora é que me apercebi de que aquela revelação fora a mais desoladora que ouvira este ano, e se há coisa que não faltou este ano foram afirmações e declarações com uma violência moral aterradora.

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