quinta-feira, 7 de abril de 2011

Um povo que não se governa nem se deixa governar

Esta exígua, contundente, e popularizada frase do nosso riquíssimo léxico cultural, cunhada por um general romano numa carta enviada ao seu Imperador aquando da conquista da Península Ibérica, é n vezes repetida e calcada, ao ponto de esta se ter tornado num cliché sem valor educacional, por uma aparelhagem de comentadores televisivos e colunistas de jornais (que na maioria dos casos se limitam a constatar o que é por demais evidente para o cidadão informado) para descrever o caos, a eterna anarquia comportamental, social, e política de um povo, e de um país, que parece condenado a não ter um período de estabilidade (social, cultural, económica, financeira, política) que lhe permita honrar o esforço idealístico, sobre-humano, dos homens e mulheres que lutaram bravamente, com custos pessoais e físicos enormes, para que vivessem numa terra livre, impermeável a influências indesejadas, e a jugos externos, e internos, nefastos.

Os Lusitanos, povos tribais cujo sangue compõe a nossa matriz genealógica, lutou até ao ponto da impossibilidade contra um Império que era, em termos militares e tecnológicos, mais evoluído, e que na sua soberba, maravilhados com a sua engenhosidade e cultura, se julgavam no direito de levar a luz romana a territórios distantes e aos seus respectivos habitantes. Viriato, guerreiro de princípios inabaláveis (como a honestidade) e um homem de palavra sólida (nunca quebrava um acordo por iniciativa própria), era um líder temido pelo invasor romano devido à sua tenacidade e capacidade estratégica militar, e considerado pelos historiadores como o expoente máximo da perseverança, da coragem, da vontade férrea do povo lusitano, uma figura que reunia consensos, e à volta da qual, portanto, se podiam unir, organizar, e lutar; parece-me que não era tanto uma questão de se recusarem a ser governados, mas sim de serem governados por quem, quando, e como. Hoje, a contrastar com os nossos antepassados tribais, somos um povo resignado, letárgico, de gostos e valores duvidosos. Sim, a geração actual é a mais educada de sempre, e, no entanto, continuam-se a ver pessoas (uma boa fatia proveniente de uma geração que agora é vilipendiada pelos direitos que lhes foram atribuídos na ressaca do vinte e cinco de Abril) que preferem perder tempo valioso a apupar desconhecidos à porta de um tribunal a ter que ouvir, escutar, e analisar as declarações fantasiosas daqueles que nos (des)governam (qual é o nosso papel na Europa franco-alemã que nos reduziu a uns insectos sem relevância?), votando neles de modo arbitrário e sem justificação, apenas porque sim, porque lhes apetece, porque o outro é mais simpático, porque nunca pus uma cruz num quadradinho a que não estivesse adjacente as letras PS ou PSD. Somos entidades individualistas, cada uma detentora de idiossincrasias, sentimentos, opiniões, e percepções do mundo únicas, mas damos a mão a homens e mulheres que revelam ser donos de uma sensibilidade completamente oposta à nossa (na surrealista manifestação de Março deste ano, viam-se grupos de gays e conservadores lado a lado, skinheads e trotskistas juntos numa luta que de certeza que não é semelhante) com base no lema o inimigo do meu inimigo é meu amigo. A mentalidade de grupo impele-nos a isso.

Presentemente, Portugal é um pequeno país em território, mas gigantesco em termos historiais, independente e soberano, com quase novecentos anos de existência (o mais antigo da Europa), fronteiras estáveis, laico, com diversos, variados, longos, e curtos modelos governativos atrás de si, experiências de governação miseravelmente falhadas, uma sangria que parece ter estancado numa democracia jovem e imperfeita. Para mim, é estranho que em pleno século século XXI, Portugal tenha no seu núcleo uma classe política medíocre, tenebrosa, sem cultura, ideias, ou um carácter ideológico vincado; presidentes de câmaras, deputados, ministros que tem no seu âmago um ignóbil e alarmante vácuo de valores éticos e morais, que mostram uma despudorada sede de poder, assemelhando-se a meninas excitadas a correrem para lugares que não merecem ocupar, betinhos que fingem cobardemente partilhar as nossas ansiedades e angústias sem, no entanto, revelarem uma medida social ou económica concreta, algo que prove, aos que deles duvidam, que possuem uma estratégia que está a ser, ou que já terá sido, cuidadosamente elaborada, planeada, e definida, que tem uma visão capaz de tirar o país do buraco em que este caiu. O que é que nós temos em vez disso? Um adolescente que pergunta ao seu assessor qual é o perfil que melhor se adequa às câmaras de televisão para passar a imagem de um mártir que não se rende à vilania, e um avozinho que tacticamente decidiu exibir os seus sóbrios óculos de pensador profundo para fazer transparecer, em nome da pátria, uma imagem de calma, ponderação, e responsabilidade ao povo português (estamos em período pré-eleitoral afinal). Atenção: essas figuras não são os únicos responsáveis pela crise que o país atravessa. Nós, eu incluído, já que não sou melhor nem pior que os outros, é que caímos na esparrela de demonizar um objecto, de lhe atribuir uma aura de pura maldade e incompetência oculta, infantilmente ou propositadamente, para exteriorizar as nossas frustrações, a nossa raiva, os nossos tormentos, as nossas inseguranças quanto ao que nos reserva um futuro que parece cada vez mais escuro, recusando-nos encarar a leviandade com que exercemos (ou não) os nossos deveres cívicos, a loucura com que satisfizemos a nossa ânsia consumista, o nosso papel numa sociedade que não tolera o sucesso alheio, e que se alimenta da inveja, do facilitismo, e dos favores.

O que sei é que o FMI vem aí pela terceira vez em trinta e três anos, e pelo andar das coisas, com a mentalidade vigente e inabalável que se cravou no nosso ADN, não vai ser a última.

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